sábado, 25 de outubro de 2014

"FOI A CAMPANHA COM MAIS INTOLERÂNCIA QUE JÁ VI EM 70 ANOS” DIZ CIENTISTA DA USP

Para José Álvaro Moisés, cientista político da Universidade de São Paulo (USP), a campanha presidencial de 2014 foi a "mais agressiva" e a que apresentou "o maior nível de intolerância" já visto por ele em 70 anos de vida.
No entanto, o estudioso rejeita a ideia de que esta campanha vá ficar marcada pela luta entre ricos e pobres, abordagem explorada politicamente na reta final do segundo turno. "Não se pode comparar os conceitos do Marxismo aos dias de hoje porque, conceitualmente, a classe trabalhadora não é tão grande hoje", argumenta Moisés.
Moisés sustenta ainda que a campanha presidencial foi desigual uma vez que o governo tem maior poder de atrair os partidos menores para a base de apoio. Para ele, prova evidente disso são os 11 minutos na propaganda de rádio e TV de Dilma Rousseff (PT), muito acima dos seus oponentes no primeiro turno. No segunda etapa, ela e o adversário Aécio Neves (PSDB) tiveram dez minutos cada. 
Na entrevista que concedeu ao iG, Moisés ainda falou sobre como será relação do presidente a partir de 2015, seja Dilma ou Aécio, com o novo Congresso Nacional. Ele ainda apontou as propostas que conseguiram mais destaque nesta campanha. Confira a seguir.  

iG - Como o senhor avalia a campanha presidencial de 2014? Foi a campanha mais sangrenta desde a corrida de 1989, por exemplo?

José Álvaro Moisés -
 Eu não gosto desse termo "sangrento". Mas devo dizer que foi a campanha mais agressiva, com o maior nível de intolerância que eu assisti em 70 anos de vida. O nível de agressividade dessa campanha foi tamanho que deixou as propostas dos candidatos relegadas a um segundo plano. Foi uma eleição presidencial desigual. Acredito que a reeleição precisa ser regulamentada porque no contexto atual quem é governo tem mais condições de mostrar suas realizações. O candidato do governo tem maiores chances de atrair para sua candidatura o maior número de partidos. Veja que no primeiro turno, a candidata Dilma ficou com 11 minutos no horário eleitoral, tempo três ou quatro vezes superior aos demais. Se você pegar as doações de campanha vai perceber que as doações concentraram em Dilma, Aécio e Marina. Mas a candidata oficial recebeu mais recursos (Dilma recebeu R$ 184,1 milhões e Aécio R$ 70 milhões, dados da segunda prestação de contas enviada ao Tribunal Superior Eleitoral em setembro passado).

iG - Que propostas o senhor acha que conseguiram alguma exposição na corrida presidencial desse ano?

Moisés -
 As questões envolvendo políticas sociais ganharam muita evidência por parte da presidente Dilma Rousseff. Mas se houve um candidato que apresentou propostas factíveis em relação à retomada do crescimento econômico e o desenvolvimento sustentável, esse candidato foi Aécio Neves. Outros itens como saúde, educação e segurança pública não tiveram tanta atenção. No caso da segurança, Dilma apostou no modelo de integração com esferas estaduais e municipais no combate ao crime organizado, num modelo semelhante ao que se viu no período da Copa do Mundo. Já Aécio propôs um super Ministério da Segurança Pública, compartilhando recursos com estados e municípios, em especial na vigilância das fronteiras. Na minha visão, essas propostas não foram suficientemente detalhadas.

iG - Pode-se afirmar que a eleição presidencial de 2014 ficou marcada pela guerra de classes? A declaração do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) de que o eleitor do PT é menos esclarecido, por exemplo, é argumento suficiente para suscitar essa tese?

Moisés -
 Na verdade, eu discordo completamente de tudo isso. Não houve luta de classes nessa eleição. Não se pode comparar os conceitos do Marxismo aos dias de hoje porque, conceitualmente, a classe trabalhadora não é tão grande, tão numerosa, nos dias de hoje.

iG - Eleita Dilma Rousseff ou eleito Aécio Neves, como o senhor projeta a relação com o Congresso Nacional?

Moisés -
 Seja quem for o eleito, os dois poderão ter dificuldades. Nós vamos ter uma fragmentação partidária maior já que em 2010 eram 22 partidos no Congresso e, a partir de 2015, serão 28. Ampliou-se o número de atores. Também deve haver migrações entre partidos. No governo Lula, o PRB do vice José Alencar atraiu muitos quadros com participação evidente do presidente nesse processo. Acredito que por ter presidido a Câmara dos Deputados, Aécio Neves terá mais experiência para negociar. Nesse aspecto, Dilma tem se mostrado "um elefante numa loja de cristais" pelos quatro anos que nós vimos, onde ela perdeu votações importantes no Congresso Nacional, criou uma tensão com o PMDB nacional a ponto de, na convenção nacional, 45% ou 46% do partido ter votado contra a aliança com o PT. "Ela não nos valoriza", reclamavam. Eu espero que a Dilma tenha aprendido com esses episódios. Lula, por exemplo, em 2005, fez o mensalão e em 2006, no segundo mandato, investiu na relação e na negociação com o Congresso.


Fonte: Portal ClickPB