Na semana que vem, em Paris, o Comitê Intergovernamental para a
Salvaguarda do Patrimônio Cultural e Imaterial da Unesco anuncia sua decisão.
Foram feitos 46 pedidos de registro pelos Estados-Membros, sendo que 32 foram
recomendados pelo órgão técnico do comitê, entre os quais está o da capoeira –
o único apresentado pelo Brasil e um dos três bens da América Latina na lista.
No dossiê de candidatura, de 25 páginas, o Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan) enumera uma série de ações para difundir
a modalidade e propõe medidas de salvaguarda orçadas em mais de R$ 2 milhões,
como a produção de catálogos e encontros.
O documento destaca que o registro vai favorecer a consciência
sobre o legado da cultura africana no Brasil e o papel da capoeira no combate
ao racismo e à discriminação. O dossiê lembra que a prática chegou a ser
considerada crime e foi proibida durante um período da história. Hoje, a
capoeira é praticada até fora do país.
“A capoeira é uma manifestação cultural de muitas dimensões. É ao mesmo tempo luta, dança e jongo, tão ligada à nossa história, à nossa sociedade, que é um pouco do que é o povo brasileiro”, explicou a diretora do Departamento do Patrimônio Imaterial do órgão, Célia Corsino.
Já reconhecida como patrimônio cultural pelo Iphan desde 2008, a
capoeira envolve os praticantes por meio do canto, dos instrumentos típicos
como o berimbau e o atabaque, em uma roda, onde os golpes se confundem com a
dança. Uma prática que é, ao mesmo tempo, jogo e brincadeira.
“A capoeira não é só um jogo, a capoeira é muito mais do que isso,
a história da capoeira se confunde com a própria história do país, já foi
utilizada até em guerra, como a do Paraguai”, diz mestre Paulinho Salmon,
capoeirista e professor por mais de 50 anos. Ele faz parte de um comitê de
mestres de capoeira no Rio que discute medidas de salvaguarda com o Iphan.
Os pedidos dos mestres para proteger a capoeira e seu aval para
registrá-la como patrimônio da humanidade também foram levados em conta no
dossiê entregue à Unesco. Entre eles, a possibilidade de a capoeira se tornar
disciplina obrigatória nas escolas e nos encontros de troca de conhecimento.
Segundo mapeamento do Iphan, a modalidade é praticada por todo o país.
No documento que recomenda o registro, o comitê técnico da Unesco
destaca que a capoeira nasce da resistência contra a discriminação e favorece a
convivência social entre pessoas diferentes. “[A roda] funciona como uma
afirmação de respeito mútuo entre comunidades, grupos e indivíduos e promove a
integração social e da memória da resistência à opressão histórica.”
No pedido, o Iphan também cita ações como o registro nacional da
capoeira de roda como um bem cultural, a criação de grupos de trabalho,
encontros e o prêmio Viva Meu Mestre, desenvolvidos com a sociedade civil e
órgãos de governo.
Para o futuro, como patrimônio da humanidade, são sugeridas
medidas para promover a capoeira, contextualizá-la como legado africano no
Brasil, além de mapear as rodas e seus mestres.
Conhecido como um dos maiores portos de desembarque de africanos,
o Brasil organiza para 2015 o pedido de registro como patrimônio da humanidade
do Cais
do Valongo, no centro do Rio de Janeiro.
Estima-se que o país tenha recebido 40% de todos os africanos
escravizados que chegaram vivos às Américas e, desses, cerca de 60% entraram
pelo Rio de Janeiro, segundo o antropólogo e fotógrafo Milton Guran, do Comitê
Científico Internacional do Projeto Rota do Escravo da Unesco. O Cais do
Valongo é considerado sagrado por religiões de matriz africana.