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da denúncia que levou ao impeachment de Fernando Collor, em 1992, o advogado
Marcelo Lavenère deveria ser uma referência obrigatória na reflexão sobre o
pedido de afastamento de Dilma Rousseff, em 2015. Mas Lavenère tem sido
esquecido sistematicamente pelos meios de comunicação que apoiam o impeachment,
e também pelos políticos envolvidos na ação contra a presidente. Em entrevista
ao 247, o próprio Lavenère explica a razão:
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Vários jornalistas que cobrem as denúncias contra Dilma já me
ligaram para pedir que eu fale sobre o impeachment do Collor. Mas quando eu
digo que são situações muito diferentes e que eu acho que não há a menor razão
para se falar em impeachment da Dilma, eles perdem o interesse e desistem da
entrevista.
Então
eu vou fazer a pergunta ao senhor, que assinou a denúncia em 1992, ao lado do
jornalista Barbosa Lima Sobrinho (morto em 2000). Por que não se pode comparar
os dois casos? A
denúncia contra o Fernando Collor teve como base uma apuração detalhada sobre o
envolvimento do presidente. Sob presidência do então senador Amir Lando, uma
CPI mista produziu um relatório denso e detalhado, mostrando seu envolvimento
de forma clara. As conclusões contra Collor eram indiscutíveis, a tal ponto que
o relatório foi aprovado por unanimidade. Quem ler o relatório, ainda hoje,
ficará impressionado com sua consistência.
Ninguém
tinha dúvidas sobre a responsabilidade do Collor, portanto... Não.
Vou contar uma coisa. Eu só apresentei a denúncia porque recebi um pedido dos
principais partidos do Congresso. Foi o próprio Fernando Henrique Cardoso, em
nome do PSDB, quem me procurou dizendo que eu tinha de assinar o pedido. O Senador
Pedro Simon falou pelo PMDB. O Aldo Rebelo, pelo PC do B e o Vivaldo Barbosa
pelo PDT. Eram os grandes partidos brasileiros, falando por suas lideranças
mais respeitadas. O PT, partido do Lula, derrotado por Collor em 1989, não
assinou o pedido.
Já
é uma mudança. Em 2015, o PSDB de Aécio Neves, que foi derrotado no ano
passado, lidera a pressão pelo impeachment, abertamente. Quais são as
outras diferenças? Do
ponto de vista jurídico, falar em impeachment contra a Dilma é uma brincadeira.
Não existe -- e é até difícil falar daquilo que não existe.
O
senhor poderia explicar melhor? Contra
Collor, haviam fatos. Contra a Dilma, não há nada. Há um movimento político,
que vinha desde a campanha. É aquela velha visão autoritária, que dizia: ela
não pode se eleger; se for eleita, não tomará posse; se tomar posse, não poderá
governar. Depois que Dilma passou pelas etapas anteriores, nós chegamos a este
estágio. Sem prova nenhuma, sem fato algum, em que se tenta impedir de qualquer
maneira uma presidente eleita de governar. Os fatos não importam aqui. A
prioridade é política: precisam encontram fatos capazes de impedir seu
governo. É uma decisão política, que querem cumprir de qualquer maneira.
Mas
tem a acusação das pedaladas... Nem
vou discutir o mérito das pedaladas, se podem ser consideradas um crime ou não.
A discussão é anterior. Estão desrespeitando um ponto fundamental,
definido pela Constituição de 1988. As pedaladas não podem servir para acusar
uma presidente.
Por
que? Durante
a Constituinte, o Celso Mello, que esteve na Casa Civil do José Sarney e
depois se tornou ministro do Supremo, deu uma contribuição importante à
redação do capítulo do impeachment. Ele ajudou a deixar claro aquele ponto que
diz que um presidente só pode ser julgado por fatos ocorridos durante o seu
mandato. Para falar claramente: se descobrirem que a Dilma matou 50 crianças
antes de 2015, isso não pode ser usado contra ela antes do mandato. Ela vai
responder por seus atos, mas depois. Isso está bem claro na Constituição. É só
ler o que os constituintes escreveram.
O
senhor não pode ser acusado de tentar defender a presidente de qualquer
maneira? Não.
Se aparecer uma prova contra ela, vou defender que seja processada. Vou
lamentar, porque não espero isso nem acredito que isso vá acontecer. Mas se
ocorrer, não há alternativa. Mas não é a situação agora. O que temos, hoje, é a
vontade política de impedir a Dilma de governar e só isso.
Fonte: Brasil 247.