A
decisão do STF contra o financiamento empresarial de campanhas eleitorais é uma
homenagem à democracia brasileira e um sinal de que a maior corte, atenta aos
defeitos de nosso sistema político-eleitoral, assumiu a responsabilidade de
remover uma de suas mais graves distorções. Por suas repercussões futuras, e
certamente positivas, a decisão de hoje pode ser chamada de histórica, ao
lado de outras medidas corajosas como a legalização das pesquisas com
células-tronco, a validação da lei da ficha limpa e da política de cotas
raciais.
Não
será, porém, um processo simples, o de fazer valer a jurisprudência, num país
onde as eleições sempre foram bancadas pelos empresários em busca de
retribuições dos que conquistarão fatias do poder de Estado. O que
a OAB alegou, em sua ação acolhida pelo STF, foi que o dinheiro das empresas
desequilibra a disputa democrática e distorce a representação popular, em favor
dos que têm mais acesso aos recursos financeiros. Mas há o outro elemento, não
menos grave. O financiamento empresarial é o adubo da corrupção, como tem sido
demonstrado por todos os escândalos de todos os tempos, embora haja um esforço
para fazer crer que tudo começou na era petista. Pelo contrário, o PT é que
cometeu o erro de fazer o que os outros sempre fizeram, acreditando que seria
também merecedor da indulgência que sempre poupou os outros partidos. Eles
nunca responderam pelo caixa dois que sempre foi praticado. Jamais foram
punidos pela participação em esquemas ligando partidos, funcionários
corruptos de estatais e empresários corruptores, que já existiam muito antes do
advento da Lava Jato.
Mas
agora será preciso ajustar as leis infraconstitucionais à decisão do STF, e
também a própria cultura política. E algumas questões precisam ser
respondidas já.
Os
que sempre ganharam com o financiamento empresarial vão ranger os dentes contra
uma decisão tão inapelável, tomada por maioria tão expressiva de oito a três.
Será preciso adequar a ela toda a legislação infraconstitucional, afora a
cultural partidária. Uma primeira providência envolve o projeto de lei
que o Congresso aprovou no bojo da pseudo reforma política normatizando o
financiamento privado (pessoas físicas e jurídicas). A rigor, a presidente
Dilma tem que vetá-lo porque colide com a decisão do Supremo mas já tem gente
dizendo que ela não deve afrontar o presidente da Câmara, patrono do projeto,
nem o Congresso que o aprovou. Mas por que ela iria, nesta altura do
campeonato, evitar briga com Eduardo Cunha, que vem ajudando a oposição a
cavar-lhe o impeachment?
A
decisão do STF abre caminho para que Senado rejeite a PEC da Câmara que
constitucionaliza as doações empresariais. Na votação da lei ordinária,
há poucas semanas, mais de 3/5 dos senadores votaram contra o
financiamento empresarial, num sinal de que a PEC cairá no Senado. Mas, para
evitar problemas com seu congênere da Câmara, Renan Calheiros adiou sua
votação. Agora o Senado poderá invocar a decisão do STF para rejeitá-la. E se a
Câmara, mesmo assim, insistir em aprová-la, o Supremo voltará ao assunto para
dizer se seu entendimento de hoje constitui cláusula pétrea. Ou seja, só poderá
ser alterado por uma nova Constituinte ou por uma novíssima composição da
corte.
Tornou-se
também urgente uma decisão, que o próprio STF talvez tome na semana que vem,
sobre a aplicação do entendimento de hoje às eleições municipais de 2016. O
ministro Ricardo Lewandowski deixou claro que as doações empresariais já serão
considerada ilegais no pleito municipal do ano que vem. Urge, então, a
instituição de uma nova regulamentação, à luz da decisão maior. E como não há
mais tempo para o Congresso aprová-la no prazo constitucional (um ano antes da
data do pleito), a tarefa ficará para o TSE.
São
vitoriosos, com a decisão, além do próprio STF, a OAB e os movimentos que se
bateram pelo julgamento da ação, além dos partidos que defenderam o fim do
financiamento empresarial, como PT, PC do B, PSOL e outros. Um grande derrotado
é o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, para tentou tornar inócuo o julgamento
da ação da OAB através da constitucionalização das doações empresariais. Outro
é o ministro Gilmar Mendes, que durante mais de um ano segurou o processo com
um pedido de vistas e expôs-se ontem com o voto caudaloso e inútil de mais de
três horas, em que voltou a acusar da OAB de ser “laranja do PT”. Inconformado
com a concessão da palavra pelo presidente Lewandowski ao representante da OAB,
que pediu para explicar as razões da entidade, o ministro abandonou o plenário
num rompante, como um parlamentar que entra em obstrução.
Gilmar
sempre alegou que, com a proibição do financiamento privado o PT buscava,
através da ação da OAB, jogar uma névoa sobre as doações que andou recebendo
nestes anos de poder, criando uma espécie de anistia para seus delitos. Mas a
Lava Jato tem nos mostrado é que o PT, ao contrário de outros partidos que ao
longo da história eleitoral nunca foram castigados, já pagou e mais ainda
pagará pelos pecados cometidos na relação com os financiadores de campanha.
A
decisão do STF promete é um tempo melhor para a democracia brasileira, embora
ainda seja preciso construir o novo sistema e as novas regras de financiamento
eleitoral. Uma delas deve ser a cassação do registro do partido que violar
a decisão do STF e aceitar clandestinamente doações empresariais. Fonte:
Brasil 247.