Material gratuito ensina a língua a partir do
cotidiano de pessoas refugiadas. Contexto ajuda no aprendizado e na adaptação,
diz editora da cartilha.
A Agência da ONU para
Refugiados (Acnur) lançou uma cartilha de ensino de português especificamente
para os refugiados no Brasil. Batizado de "Pode entrar: Português do
Brasil para refugiadas e refugiados", o material didático foi lançado no
fim de novembro e pode ser baixado gratuitamente pela internet.
Segundo Talita Amaro de
Oliveira, a editora responsável pela cartilha, o processo de elaboração do
material durou cerca de dez meses e foi feito em parceria com a Cáritas e o
Cursinho Popular Mafalda, do qual ela é coordenadora, e tem como objetivo
atender a uma demanda já antiga entre as entidades que acolhem refugiados no
Brasil.
"Todo mundo que trabalha
com português para refugiados estava precisando do material. O que a gente
encontra é um mercado com material didático, mas é para um público específico.
Ele é voltado para imigrantes comuns, para turistas, ensina exemplos do tipo
'como pedir um táxi da Paulista'. Então, não é algo que se encaixava na
realidade da vivência dos refugiados e das refugiadas", afirmou ela ao G1.
ADAPTAÇÃO AO COTIDIANO. O conteúdo da língua portuguesa ensinado na
cartilha foi dividido em 12 capítulos e 139 páginas que seguem temas
importantes do cotidiano de pessoas que foram forçadas a sair de seus países,
para não sofrer represálias por motivos políticos e religiosos ou por causa da
violência.
"A gente fez uma
avaliação com refugiados e refugiadas antes, para levantar quais eram as
principais demandas deles, as principais dificuldades deles no Brasil, e fomos
tentando criar uma ordem de prioridade nos conteúdos, eles vão se elevando de
complexidade conforme o vocabulário vai aumentando, vão conseguindo ter um
acesso melhor à língua", explicou Talita.
O primeiro capítulo, por
exemplo, ensina os estrangeiros e estrangeiras os termos básicos de saudações e
o vocabulário de pronomes pessoais, nacionalidades e verbos comuns para o
interlocutor se apresentar e a informar seus dados pessoais em português. Para
isso, a cartilha ensina os e as estudantes a preencher um formulário.
"A gente sabe que, no
Brasil, em todas as instituições você preenche um formulário. Algo que aqui
parece super simples para a gente se transforma em algo astronômico para eles,
significaria não entrar em uma vaga de emprego, ou não conseguir determinado
benefício."
Os demais capítulos abordam as
questões sociais brasileiras que serão de uso prático de quem chega para viver
no país, como a educação, o Sistema Único de Saúde (SUS), os transportes, a
tolerância religiosa, os direitos das crianças e como conseguir trabalho.
Dentro dos capítulos, os conteúdos como pronomes interrogativos, números e
conjunções, entre outros, são ensinados em meio ao contexto dos temas
abordados.
A cartilha também tem dados
sobre a evolução no número de pessoas refugiadas no Brasil e informações sobre
a história e a demografia do país.
PROCURA CADA VEZ MAIOR. Talita explica que o número de pessoas
buscando refúgio no Brasil tem aumentado. Em setembro, o governo brasileiro
prorrogou por dois anos a emissão de vistos especiais a refugiados da guerra da
Síria, com regras mais simples. Na época, o país tinha 2.097 sírios nessa
condição.
Em novembro, o Brasil também
autorizou a permanência definitiva de quase 44 mil haitianos, que começaram a
chegar ao país em maior número depois do terremoto de 2010, que deixou cerca de
300 mil mortos.
Só em fevereiro deste ano, o
número de haitianos que entraram no Brasil chegou a 2 mil.
INCLUSÃO DE MULHERES. Só no Cursinho Popular Mafalda, que atende a
região da Zona Leste de São Paulo, há três turmas semestrais de português, de
acordo com a coordenadora. Em cada uma, entre 30 e 35 alunos finalizam o
semestre letivo. "A gente separa por falantes de determinado idioma. Temos
sala para falantes de árabe, francês e inglês, e quem dá aula fala os idiomas.
É uma facilidade para irem acompanhando todos os conteúdos."
As aulas acontecem aos sábados
e, para garantir que as mulheres também pudessem participar, o cursinho abriu
também uma turma para crianças. Os filhos de refugiados em idade escolar
frequentam o colégio como as demais crianças brasileiras, mas, aos sábados,
muitas mães deixavam de estudar para poder cuidar dos menores.
O cursinho oferece reforço
escolar para os estudantes maiores e atividades recreativas para as crianças
mais novas. "Às vezes essas mulheres vinham de realidade de exclusão
no país natal, e aqui a gente acaba reproduzindo a exclusão, porque elas não
tinham acesso ao curso de línguas", explicou Talita. Fonte: WSCOM Online.