sábado, 26 de dezembro de 2015

UM ROMANCE CATINGUEIRO



Uma cantiga de amigo? Um romance calcado nos modelos ibéricos? Uma cantata? Às vezes, é impossível delimitar uma obra poética, pois, por mais que nos prendamos à sua ambientação, ela traz em seu bojo uma série de referências e é, ao mesmo tempo, bastante original. É o caso de O Cavaleiro das Léguas, de Aldy Carvalho, cantador das barrancas do São Francisco. Nela se encerra o conceito de amor cortês, surgido na França no crepúsculo do século XI, presente em sagas como a de Tristão e Isolda, e que sobreviveu nos nossos romances clássicos de cordel.

No sem fim do São Francisco
No sertão, longe do mar
Estela guarda um segredo
Com senha de adivinhar.
Guarda-se, guarda um tesouro
Para aquele que vai chegar.

No reino da Pedra Grande
Enredada em pensamentos
Que ele vem, ele virá
Resgatá-la dos tormentos
Será sua prometida
Dona dos seus sentimentos.

(Donzela)
De onde vem o cavaleiro
De que terras faz chegada
Será mesmo quem espero 
Nos meus sonhos faz morada?

(Cavaleiro)
Venho vindo muitas léguas
Pra sentir teu coração
Se por mim também palpita,
Se é de vera ou ilusão.
Trago a minha espada nua
Para pôr em tua mão.

(Donzela)
Oh! Me diga o cavaleiro
Como foi que aqui chegou
E de mim, o que é que sabe
No meu reino, como entrou.

(Cavaleiro)
Vim no sussurro do vento
Sete estrelo foi meu guia
Pela vereda dos bodes
Que é estrada que alumia.

(Donzela)
Que batalhas enfrentaste
Pra merecer meu tesouro
O que tenho pra te dar
Vale mais que a prata e o ouro.

(Cavaleiro)
Todas que um cavaleiro
Por amor deve enfrentar
Foram tantas as batalhas
Que nem as posso contar.

(Donzela)
Se assim é pode passar
Eu serei a tua amada
Também contigo sonhava
Com a tua clara chegada.

(Donzela e Cavaleiro)
Foi o amor que nos uniu
Nada vai nos dividir,
E se a dor ou a tristeza
Um dia nos atingir
Estaremos sempre juntos
Até a luz se extinguir.

O Cavaleiro das Léguas (Romance catingueiro)
Aldy Carvalho. Fonte: Cordel Atemporal.