quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

UMA AULA DE CULTURA



Por Aderaldo Luciano

Hoje é o Dia Nacional do Forró, dia de Santa Luzia, dia do nascimento de Luiz Gonzaga, o Rei do Baião. Para nós, que estamos na senda nordestina, nas trincheiras culturais da raiz forrozeira, nas linhas de enfrentamento contra a máquina de terraplanagem global, procurando o regional como marca distintiva e, por isso mesmo, universal, é dia de celebração. Reponho um texto que muito me fala e que de mim fala tanto.
A banda paraibana Cabruêra desceu ao sul e instalou-se no Rio de Janeiro em setembro de 2001. Aqui, no Rio de Janeiro, fundou a Cabrahouse, primeiro em Copacabana, depois em Santa Teresa, tradicional bairro de artistas. Ao chegar, debutou na TV Brasil e lançou disco no palco da resistência cultural carioca, o Teatro Rival, e assim seguiu arrebanhando um cordão de adoradores.
Zé Guilherme Amaral, o Munganzé, que Deus o guarde em sua misericórdia, na época, percussionista e um dos pilares da Cabruêra, vindo aqui em casa, incitou-me a explicar a origem do termo “forró” para uma oficina de percussão no Festival de Inverno de São João del Rey, em Minas Gerais, onde a banda tocaria.
Pois bem. Discutíamos a gênese da palavra a partir de duas explicações para o que se passou a chamar de forró. A primeira estando ligada à construção da malha ferroviária no interior de Pernambuco por engenheiros ingleses que, em suas horas de folga, patrocinavam pequenas rodas nas quais a liberdade, municiada pelo consumo de álcool, pontuou a descontração e a dança. Segundo essa vertente, as rodas eram “for all”, para todos, no idioma nativo dos ingleses. Daí a pronúncia aberta “forró”. Sem registro que legitime tal origem, fica-se no âmbito da lenda.
A segunda é apresentada pelo folclorista Rodrigues de Carvalho, em seu Cancioneiro do Norte de 1903, apontando uma associação entre forró e forrobodó, festa popular das pontas de rua, baile popular aberto para toda a população pobre. Câmara Cascudo registra a mesma origem fazendo um levantamento da aparição do termo desde 1833, para encontrar uma variante datada de 1952, num semanário chamado A Lanceta, sem indicação de local. O termo é forrobodança, uma espécie de dança popular.
Apesar de servirem-nos um bom prato de prosa, acredito que essas duas teses sejam insuficientes, mesmo porque fica difícil determinar data para surgimento de qualquer palavra. Respeitando a pesquisa, talento e autoridade dos dois folcloristas, lanço uma terceira via. Quero aproximar o termo brasileiro forró, ao termo árabe "alforria", liberdade.
Quando alguém era alforriado, a palavra “fôrro” servia-lhe de epíteto, recebendo, inclusive um par de sapatos. Elomar, em sua cantiga o Violeiro, canta “Deus fez os home e os bicho tudo fôrro...”. De forria para fôrro, de fôrro para forró, celebração da liberdade, da quebra do jugo e dos grilhões. Não é isso que o forró faz?
Os testemunhos populares na diferenciação entre as festas de São João, festa popular, marca indelével das tradições nordestinas, e Natal, tradição europeia, servem de esteio para minha tese. Enquanto a festa de Natal é descrita como uma festa formal, o São João prega a liberdade, é festa livre e comunitária, não requer roupa nova, nem champanhe para comemorar. E todas as classes e raças são chamadas ao arrasta-pé, criando um valor fundamental para a miscigenação de raças e culturas, no dizer de Darcy Ribeiro, e imprescindível para a construção do humanismo, segundo Jorge Amado.
O que nos interessa, também, é a divulgação desse ritmo propagado pelo pioneiro Luiz Gonzaga, primeiríssimo nordestino a assumir compromisso com esse suposto novo estilo musical, depois de fazer o caminho do sul. Sua história e sua vida estão na boca do povo e dos artistas, transformado em ícone institucional na etno-musicalidade brasileira. Tendo construído uma realidade mágica do Nordeste, com seus vaqueiros e cangaceiros, plantou a semente da música popular regional nordestina em todo o Brasil. Asa Branca transformando-se na bandeira, estandarte dessa visão.


Gonzaga sofre, entretanto críticas oriundas de um outro mito: Jackson do Pandeiro. O ritmista paraibano apregoava que o baião originou-se do coco e que o feito do Rei do Baião não passava de um novo invólucro para um velho ritmo. Zé Guilherme contou-me ao pé do ouvido que o jornalista Rômulo Azevedo, de Campina Grande, numa tentativa de conciliação entre os pilares formadores do forró, um paraibano e o outro pernambucano, defende o império imaginário de Parabuco, um híbrido situado entre Caruaru, a capital do forró, e Campina Grande, terra do Maior São João do Mundo. Essa, para mim, a melhor opção, o lúdico, a criatividade, a liberdade, a alforria.
Fonte: Facebook de Aderaldo Luciano