Por Aderaldo Luciano
Hoje é o
Dia Nacional do Forró, dia de Santa Luzia, dia do nascimento de Luiz Gonzaga, o
Rei do Baião. Para nós, que estamos na senda nordestina, nas trincheiras
culturais da raiz forrozeira, nas linhas de enfrentamento contra a máquina de
terraplanagem global, procurando o regional como marca distintiva e, por isso
mesmo, universal, é dia de celebração. Reponho um texto que muito me fala e que
de mim fala tanto.
A banda
paraibana Cabruêra desceu ao sul e instalou-se no Rio de Janeiro em setembro de
2001. Aqui, no Rio de Janeiro, fundou a Cabrahouse, primeiro em Copacabana,
depois em Santa Teresa, tradicional bairro de artistas. Ao chegar, debutou na
TV Brasil e lançou disco no palco da resistência cultural carioca, o Teatro
Rival, e assim seguiu arrebanhando um cordão de adoradores.
Zé
Guilherme Amaral, o Munganzé, que Deus o guarde em sua misericórdia, na época,
percussionista e um dos pilares da Cabruêra, vindo aqui em casa, incitou-me a
explicar a origem do termo “forró” para uma oficina de percussão no Festival de
Inverno de São João del Rey, em Minas Gerais, onde a banda tocaria.
Pois bem.
Discutíamos a gênese da palavra a partir de duas explicações para o que se
passou a chamar de forró. A primeira estando ligada à construção da malha
ferroviária no interior de Pernambuco por engenheiros ingleses que, em suas
horas de folga, patrocinavam pequenas rodas nas quais a liberdade, municiada
pelo consumo de álcool, pontuou a descontração e a dança. Segundo essa
vertente, as rodas eram “for all”, para todos, no idioma nativo dos ingleses.
Daí a pronúncia aberta “forró”. Sem registro que legitime tal origem, fica-se
no âmbito da lenda.
A segunda
é apresentada pelo folclorista Rodrigues de Carvalho, em seu Cancioneiro do
Norte de 1903, apontando uma associação entre forró e forrobodó, festa popular
das pontas de rua, baile popular aberto para toda a população pobre. Câmara
Cascudo registra a mesma origem fazendo um levantamento da aparição do termo
desde 1833, para encontrar uma variante datada de 1952, num semanário chamado A
Lanceta, sem indicação de local. O termo é forrobodança, uma espécie de dança
popular.
Apesar de
servirem-nos um bom prato de prosa, acredito que essas duas teses sejam
insuficientes, mesmo porque fica difícil determinar data para surgimento de
qualquer palavra. Respeitando a pesquisa, talento e autoridade dos dois
folcloristas, lanço uma terceira via. Quero aproximar o termo brasileiro forró,
ao termo árabe "alforria", liberdade.
Quando
alguém era alforriado, a palavra “fôrro” servia-lhe de epíteto, recebendo,
inclusive um par de sapatos. Elomar, em sua cantiga o Violeiro, canta “Deus fez
os home e os bicho tudo fôrro...”. De forria para fôrro, de fôrro para forró,
celebração da liberdade, da quebra do jugo e dos grilhões. Não é isso que o
forró faz?
Os
testemunhos populares na diferenciação entre as festas de São João, festa
popular, marca indelével das tradições nordestinas, e Natal, tradição europeia,
servem de esteio para minha tese. Enquanto a festa de Natal é descrita como uma
festa formal, o São João prega a liberdade, é festa livre e comunitária, não
requer roupa nova, nem champanhe para comemorar. E todas as classes e raças são
chamadas ao arrasta-pé, criando um valor fundamental para a miscigenação de
raças e culturas, no dizer de Darcy Ribeiro, e imprescindível para a construção
do humanismo, segundo Jorge Amado.
O que nos
interessa, também, é a divulgação desse ritmo propagado pelo pioneiro Luiz
Gonzaga, primeiríssimo nordestino a assumir compromisso com esse suposto novo
estilo musical, depois de fazer o caminho do sul. Sua história e sua vida estão
na boca do povo e dos artistas, transformado em ícone institucional na
etno-musicalidade brasileira. Tendo construído uma realidade mágica do
Nordeste, com seus vaqueiros e cangaceiros, plantou a semente da música popular
regional nordestina em todo o Brasil. Asa Branca transformando-se na bandeira,
estandarte dessa visão.
Gonzaga
sofre, entretanto críticas oriundas de um outro mito: Jackson do Pandeiro. O
ritmista paraibano apregoava que o baião originou-se do coco e que o feito do
Rei do Baião não passava de um novo invólucro para um velho ritmo. Zé Guilherme
contou-me ao pé do ouvido que o jornalista Rômulo Azevedo, de Campina Grande,
numa tentativa de conciliação entre os pilares formadores do forró, um
paraibano e o outro pernambucano, defende o império imaginário de Parabuco, um
híbrido situado entre Caruaru, a capital do forró, e Campina Grande, terra do
Maior São João do Mundo. Essa, para mim, a melhor opção, o lúdico, a
criatividade, a liberdade, a alforria.
Fonte: Facebook de Aderaldo Luciano