sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

UM REPENTISTA SEM VIOLA

No começo deste mês fui rever amigos nas longínquas terras sertanejas de Itapetim, município pernambucano, cujo nome, Pedras Soltas em tupi-guarani, tem tudo a ver com a paisagem do lugar. Ai me sinto muito bem, graças à intimidade que tenho com a cidade e região, há quase duas décadas. Na estrada uma surpressa agradável: um carro de bois caminha lentamente, conduzindo alimentação para o gado.
Através da estrada de terra batida, entre Desterro e Itapetim, adentrei a cidade pelo bairro Santo Antonio, descansando a vista sobre as ruas limpas, calçadas e/ou asfaltadas, farta arborização urbana (castanholas e algarobas), praça central muito larga que se confunde com o adro da igreja de São Pedro, padroeiro do lugar. Só não pude rever a feira livre, que aconte às quintas-feiras, verdadeiro dia de festa em que os sertanejos da Paraíba e de Pernambuco se confraternizam enquanto fazem negócios.
Encontrei Binú, nas proximidades da igreja matriz como sempre ali esteve, desde que o ví pela primeira vez, há vinte anos. Vestido como um dos seguidores de Antonio Conselheiro, agarrado a uma imagem de santo, caminha nervosamente pelas ruas e prega como se estivesse sussurrando, contra saias curtas, shorts, calças compridas, roupas decotadas, batons e cabelos curtos. É um resistente ao modernismo.

Fui rever o repentista Pedro Amorim, recolhido ao recôndito do lar, pois a idade se fez acompanhar da doença, maltratando-o com insuportáveis dores ou através da memória muito falha que o fez abandonar a viola amiga, companheira de tantas cantorias pelas terras deste Nordeste. Escutando silenciosamente os seus queixumes, relembrei o seu soneto “LAMENTOS DE UM VELHO” e como está atual apesar de publicado no seu livro Poeta dos Vaqueiros, em 1988:

Desaparecem todos dias bons
Do homem quando está em alta idade
Já cadavérico sem ter liberdade
De fazer parte das reuniões

Dorme no leito das recordações
Somente sonha com a mocidade
Não pensa mais na felicidade
Porque morreram suas ilusões

Sente ficar depauperado o rosto
Com a amargura profunda do desgosto
Fogem da ótica as visões futuras

Seus horizontes vão se opaquecendo
Os desenganos vão lhe aparecendo
E as esperanças vão ficando escuras

Não apenas a doença maltrata esse grande repentista, mas a ausência dos amigos, conforme ele mesmo, que sempre em si encontraram um ombro ou uma mão estendida e disposta ao afago. Chora também relembrando o seu amado Surubim, fazenda de onde tirou meios para educar e formar toda a família.

Reví um repentista sem viola, que tanto orgulho deu aos que fazem a cultura de Itapetim.