sexta-feira, 22 de março de 2013

A ÚLTIMA ESCALADA



Por Alexandre Moca

Só quem se aventura subir determinada montanha tem o direito de receber no rosto a brisa que só sopra no topo daquela montanha, diferente certamente de todas as outras brisas que sopram o cume de outras montanhas. Talvez por isso Josenildo tenha escolhido o Aconcágua, não houve quem o demovesse. O sopro gelado que deveria envolvê-lo em um afago, como fosse um gesto amistoso para compensar vicissitudes da escarpa, transformou-se em tempestade de neve congelando o sonho, petrificando o seu sonhador.


O seu primeiro aclive para chegar à altitude permitida a poucos além do Condor, foi a ladeira do bairro Novo em direção ao memorial Frei Damião em Guarabira. Arrastando pneus presos às costas, condicionou-se fisicamente, preparou-se para escalar a cumeeira das Américas.


Aprendi pouco ao longo dos muitos janeiros, mas acho que já sou capaz de distinguir atitude e loucura separando uma da outra. Poucos têm a coragem de desnudar os seus sonhos escolhendo a via pública como palco, desfilando o inusitado, indiferente ao riso patético dos acomodados, à dúvida dos céticos e às advertências dos medrosos.


Não era a primeira vez, conhecia os riscos, os do nível que todos pisam e o das alturas, reservados apenas aos de sua estatura aventureira. Trazia no rosto um sorriso tímido e uma expressão de certeza e perseverança bastante para empreitadas até maiores.


Ele próprio dizia que alpinismo era um esporte de ricos. O custo dos equipamentos, as passagens aéreas, os traslados até o pé dos montes, a alimentação e a hospedagem faziam de Nildo, como era conhecido pelos mais próximos, um verdadeiro matemático. Tudo tinha que ser minunciosamente pesado e medido para caber no seu suado e modesto salário.


Era técnico em foto processamento por subsistência. Era também rapeleiro, montanhista, motociclista e alpinista por desejo de aventura, por inquietação, por não aceitar o passo moroso dos dias sem algo de grandioso e desafiador para fazer.


Essa era terceira vez que tentava chegar ao topo do Aconcágua, mas já tinha estado também na Rússia onde escalou o Elbrus. Fez amigos pelo mundo.


Discreto, cada vez que retornava e nos encontrávamos, me chamava de forma reservada para dizer das recentes conquistas. Era como se estivesse habitado por uma calma temporária. Quanto mais longe ia e mais alto conseguia alcançar, abastecia-se de um combustível vital para a sua existência. Ao final da conversa, sacava do bolso um dvd com vídeos e fotos e me presenteava. Nas fotos, lá estava ele, nas alturas geladas, fazendo contrastar o rubro e o negro da bandeira de Guarabira que lhe dei. O meu presente passou a fazer parte, desde a primeira escalada, da sua indumentária de alpinista.


O branco da neve foi marcado com as tintas do trágico. Perdemos Josenildo para a montanha que ele tanto quis. Não sabíamos que a montanha também o queria tanto, neste que foi um trágico e definitivo abraço. Ganhamos a sua história de vida, o seu destemor calmo e sem exagero.


As certezas que carregava no alforje de aventureiro e a simplicidade do grande ser humano que foi não desaparecerão como as suas pisadas desapareceram na neve, ficarão marcadas para sempre em nossos corações ainda doídos.



FONTE: Facebook