Duas filhas do ex-deputado
Rubens Paiva, assassinado em 1971 no antigo DOI-Codi (Departamento de Operações
de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna) da Barão de Mesquita,
na Tijuca, zona norte do Rio, defenderam nesta sexta-feira, 12, a transformação
do quartel em centro de memória, durante a inauguração de um busto de bronze do
pai. A homenagem, que reuniu cerca de 100 pessoas, ocorreu na praça Lamartine
Babo, que fica em frente ao 1.º Batalhão de Polícia do Exército, onde funcionou
o principal centro de torturas no Estado durante a ditadura militar
(1964-1985).
Em cartazes, manifestantes
pediam a "abertura de arquivos da ditadura" e "tortura nunca
mais". No início da cerimônia, com o busto ainda coberto, a voz de Rubens
Paiva podia ser ouvida até mesmo dentro do quartel. Em depoimento à Rádio
Nacional no dia do golpe militar, o então parlamentar conclama trabalhadores e
universitários de São Paulo a fazer uma greve geral em solidariedade ao
presidente João Goulart. Sentada na plateia improvisada, Eliana Paiva, uma das
filhas, abraçou a tia Maria Lúcia Paiva de Mesquita e chorou. "A gente
tinha ficado 43 anos sem ouvir a voz dele. Agora, é como se tivéssemos
finalmente um lugar para homenageá-lo", discursou Vera Paiva.
A filha falou sobre a
dificuldade de encerrar o ciclo de luto, porque até hoje o corpo de Rubens Paiva
nunca apareceu. "O desaparecimento é uma forma de tortura também, assumida
pelo aparato militar, que continua acontecendo até hoje", discursou. Pouco
antes, ela falava ao jornal O Estado de S. Paulo sobre o desaparecimento do
pedreiro Amarildo de Souza, torturado e morto por PMs da Unidade de Polícia
Pacificadora (UPP) da Favela da Rocinha em julho de 2013, segundo denúncia do
Ministério Público. Vera também citou a visita que havia feito mais cedo ao que
restou do Cais do Valongo, na região portuária do Rio, onde desembarcavam
africanos escravizados: "Vem da escravidão a experiência e a cultura de
apoio à tortura no nosso País".
Ela terminou seu discurso
falando sobre o significado histórico da homenagem e disse que a família se
sente privilegiada, mas que há muitas outras histórias a serem contadas.
"Eu gostaria que este ato fosse o início do resgate da memória, da
transformação desse espaço em um museu, como a Comissão da Verdade do Rio
(CEV-Rio) reivindica." Ex-preso político torturado no DOI-Codi da Barão de
Mesquita, o jornalista e escritor Álvaro Caldas, integrante da CEV-Rio, disse
que a homenagem a Rubens Paiva é uma forma de antecipar a transformação do
quartel em museu e defendeu que também seja instalado no local um busto do
jornalista Mário Alves, morto no DOI-Codi do Rio em 1970. "Se não podemos
fazer o museu lá dentro, fazemos aqui fora, na praça", disse Caldas, que
terminou seu discurso criticando o fato de até hoje o Exército negar a
ocorrência de torturas em suas instalações, "com a conivência e a covardia
dos governos civis". Também ex-preso político, o atual secretário de Meio
Ambiente do Rio, Carlos Alberto Muniz, que representou o prefeito Eduardo Paes
(PMDB) na cerimônia, referiu-se ao quartel como "antro" e disse que
Rubens Paiva "foi exemplo de trajetória política e estava do lado
certo".
Idealizada pelo aposentado
Lao Tsen, a homenagem foi uma iniciativa do Sindicato dos Engenheiros no Estado
do Rio - Rubens Paiva era engenheiro. Inicialmente, o busto ficaria de frente
para o quartel, mas acabou sendo chumbado de costas para os militares. "Eu
até prefiro, porque parece que ele está saindo. Ficaria mais aflita se tivesse
ao contrário", disse a filha Eliana, que comemorou a decisão de
quarta-feira do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região sobre o caso Rubens
Paiva. Pela primeira vez, um tribunal brasileiro reconheceu que assassinatos e
desaparecimentos de corpos atribuídos a agentes da ditadura são crimes contra a
humanidade, seguindo o entendimento do Ministério Público Federal de que não se
aplica a Lei da Anistia. "É uma nova geração de operadores do direito não
comprometida com a ditadura", disse Vera, que terminou lendo uma mensagem
enviada pelas duas irmãs que moram no exterior: "Pai, a ditadura impediu
você de ter um túmulo, mas não conseguiu apagar a sua alma."
Fonte: Yahoo Notícias