A denúncia de Rodrigo Janot contra o
presidente Michel Temer já era aguardada desde a abertura do inquérito por
conta das delações da JBS, mas a decisão do procurador-geral da República de
"fatiar" as acusações revela sua estratégia: minar lentamente a resistência
do peemedebista.
Temer era investigado pelos crimes de
corrupção passiva, obstrução de Justiça e organização criminosa, mas Janot só
ofereceu denúncia referente ao primeiro, desmembrando o caso. O
procurador-geral acusa o presidente de ser o destinatário dos R$ 500 mil
entregues pela JBS ao ex-deputado federal Rodrigo Rocha Loures, o que
configuraria corrupção passiva.
Além
disso, espera-se uma segunda denúncia já para os próximos dias, desta vez por
obstrução de Justiça, no episódio em que Temer teria dado anuência para a
compra do silêncio do deputado cassado Eduardo Cunha por Joesley Batista, um
dos donos do frigorífico.
"Será
um processo longo e arrastado, e por um motivo simples: o Janot tem uma
estratégia. É como se fosse um jogo de xadrez em que o jogador faz o lance já
prevendo a reação do adversário", explica o cientista político Carlos
Melo, professor do Insper.
Ao
dividir a denúncia, o procurador-geral indica que já espera uma vitória de
Temer na votação na Câmara que decidirá sobre a instauração do processo. Para
que o presidente seja julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), é necessário
o aval de pelo menos dois terços dos deputados, algo que hoje parece improvável
de acontecer.
Mas
uma quase certa segunda denúncia - e até uma eventual terceira - faria a
tramitação recomeçar do zero, aumentando o desgaste político do peemedebista,
que já conta com exíguo apoio popular e lida com uma economia combalida, e a
pressão sobre os parlamentares.
"Imagine
o deputado que votou uma vez contra a denúncia: ele vai para casa e ouve a
mulher, o vizinho e sua base eleitoral questionando seu voto. Se fosse só uma
votação, seria mais fácil justificar. Acontece que vai ter uma segunda votação,
e ele vai ter que prestar contas pela segunda vez. E ano que vem ainda tem
eleição", diz Melo.
Segundo
ele, Janot adotou uma estratégia de médio prazo para "minar a resistência
da base política do presidente", que hoje aposta no apoio de um sistema
que está no mesmo barco que ele. Para muitos deputados, proteger Temer é uma
forma de proteger a si mesmo.
Os
efeitos desse sangramento arrastado, no entanto, podem ser danosos para o
Brasil. "Isso desvia o governo e o Congresso de uma agenda de reformas,
tem reflexos na economia e tende a contribuir para a piora do ambiente
político", ressalta o professor do Insper, acrescentando que esse cenário
pode beneficiar candidatos "antissistema" nas eleições de 2018.
Por
outro lado, quanto mais o tempo passa, maior pode ser a sensação de que não
vale a pena o desgaste de uma nova troca no Palácio do Planalto. O próximo
pleito presidencial está a pouco mais de um ano de distância, e é improvável
que o julgamento de Temer, caso instaurado, caminhe rapidamente.
"É
a possibilidade com a qual o Temer está jogando: arrastar isso de tal forma que
não valha mais a pena fazer uma mudança de governo", afirma Melo.
"Passar o tempo é bom para o governo, mas não é bom para o país",
completa. (ANSA) Fonte: Notícias ao Minuto.