Por Fernanda Pompeu
Meu saudoso pai comprava flores no mercado municipal de Taubaté - Vale
do Paraíba -, quando a florista esbaforida soltou a bomba: Acabei de ouvir no rádio que o
velho se matou! O velho era Getúlio
Dornelles Vargas, presidente do Brasil. O rádio, em 1954, era o principal
veículo pelo qual os brasileiros ouviam músicas, programas humorísticos e
notícias. TV era bem de ricos.
O que se seguiu foi uma agitação gigantesca. O falecimento de um
presidente em exercício já seria motivo para um metralhar de aflições e
análises. Mas a morte por suicídio - um tiro no coração - fez com que os
brasileiros ficassem perplexos. O homem mais poderoso do país, de forma
trágica, pulara para fora do poder e da vida.
Papai, com 23 anos, correu do
mercado, pegou sua bicicleta e pedalou furiosamente. Com uma das mãos
controlava o guidom, com a outra carregava um buquê de rosas vermelhas. Elas
eram para a minha mãe que aniversariava naquele 24 de agosto. Ao saber do
drama, mamãe ficou tão chocada que, à noite, eles não sopraram velinhas, nem
cantaram o parabéns pra você.
O Rio de Janeiro, então capital federal, levou uma multidão para as
ruas a compor o cortejo fúnebre. Todos queriam ver alguma coisa do morto,
pranteá-lo. O gaúcho, nascido em São Borja no ano de 1882, havia sido um 3 em 1:
revolucionário, ditador, presidente eleito. Morto, em questão de horas, virou
um mártir da nação.
Durante toda minha vida, ouvi essa história repetidas vezes. Meu pai ressaltava
o trauma político, a relevância de Getúlio para os trabalhadores, a oposição
furiosa de seu maior inimigo Carlos Lacerda etc. Minha mãe realçava a parte do
bolo, das velinhas apagadas, da comemoração frustrada. Eu nasceria um ano e
dois meses depois.
Até hoje, quando aparece a oportunidade, pergunto para os mais velhos
onde eles estavam quando souberam da morte de Getúlio Vargas. Todos - fãs e
detratores - conseguem se lembrar. E invariavelmente fazem menção à última
frase de sua carta de suicida: Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da
vida para entrar na História.
Há pesquisadores que afirmam que a carta-testamento teria sido
redigida por um escritor fantasma. Provavelmente, pois presidentes por falta de
tempo ou de talento, em geral, não costumam escrever o que dizem. Mas isso
importa pouco. Para o imaginário popular, a linda frase final é do nosso
suicida mais famoso. E ponto.
Imagem: Régine Ferrandis, de Paris
Fonte: YAHOO BRASIL