terça-feira, 3 de março de 2015

O RIO AOS 450 ANOS: HISTORIADORES APONTAM PERDAS E CONQUISTAS


O Jornal do Brasil consultou alguns dos historiadores que mais conhecem o Rio de Janeiro, para que tentassem definir o caminho percorrido até hoje pela cidade, que completou 450 anos no último domingo (27). Eles falam da cidade marginalizada e também da esquecida, no caso, o Rio de Janeiro dos indígenas. Ainda há motivos para comemorar, no entanto.

"Minha irmã acaba de chegar da rua (sete e meia da noite) e me traz a notícia de que um grande prédio em construção no Largo do Rossio acaba de desabar, matando quarenta operários. O antigo prédio era uma arapuca colonial, mas que, apesar da transformação, de ter tido as paredes eventradas, resistia impavidamente. O novo ia ser uma brutalidade americana, de seis andares, dividido em quartos, para ser hotel: Hotel New York (que nome!), um pombal, ou melhor: uma cabeça-de-porco. Somos de uma estupidez formidável. O Rio não precisa de semelhantes edifícios. Eles são desproporcionados com as nossas necessidades e com a população que temos", dizia Lima Barreto em relato de 7 de junho de 1917. O romancista e cronista nasceu na cidade em 1881, onde também morreu, em 1922.

O Rio de Janeiro sempre passou por muitas mudanças polêmicas, como agora. Armelle Enders, professora de história da Universidade de Paris - IV - Sorbonneé, é uma entusiasta pesquisadora da capital fluminense. Ela relança a obra "História do Rio de Janeiro", atualizada, também neste domingo, com algumas páginas a mais e levando em conta o período atual. Para ela, a recuperação do Centro e da zona portuária é uma verdadeira reconquista da história do Rio de Janeiro e do coração da cidade, por resgatar um passado doloroso mas consubstancial, o ponto de chegada de 2 milhões de escravos africanos que transitaram pelos cais, pelo Valongo, e a "pequena África" do morro da Conceição, "o Rio de Janeiro da resistência africana". Ela destaca ainda que a queda da perimetral embeleza a Praça XV. Como o Rio sempre foi uma cidade global justamente pelo fato de ser um porto, faz sentido recuperar esta história.

"Tudo isso mostra que a valorização do patrimônio é hoje em dia considerado como moderno, quando, antigamente, a 'modernidade' significava destruir e derrubar o que era considerado como velho, arcaico, atrasado. Quem sabe se o próximo prefeito do Rio de Janeiro não vai cogitar em restaurar o morro do Castelo, sua igreja e seu colégio jesuíta? Essa brincadeira é para dizer que recuperação do patrimônio, como a memória, é seletiva. Existe um Rio de Janeiro fantasma, como, por exemplo, o Rio de Janeiro indígena, que anda muito esquecido", levanta a historiadora.

O arquiteto e professor Nireu Cavalcanti, uma das maiores autoridades na história do Rio de Janeiro, por sua vez, desaprova as alterações atuais. Para ele, as reformas espalhadas por toda a cidade são um absurdo. Um exemplo é que a Perimetral poderia ter sido derrubada apenas quando as obras estivessem prontas, ele sugere. O que falta, indica, assim como em épocas anteriores, é planejamento. "Isso é resultado da falta de planejamento e de respeito ao cidadão, resultado dessa visão 'megalômica'. Nós vivemos nessa ilha da fantasia, você planeja sem prever
quais são as consequências da sua obra. É uma ilha da fantasia para o governo, mas para nós é uma ilha da tortura.

Fonte: Café História