"Para
arrumar a casa ou lavar a roupa, tudo bem. Mas, para beber, eu não confio nessa
água, não". A declaração da microempresária Monique Silva, 27, serve como
síntese do receio dos moradores de Governador Valadares (MG) com relação à
captação de água do rio Doce, que começou a ser retomada gradualmente no último
domingo (15), após uma semana de interrupção. O cheiro acentuado de cloro e a
cor amarelada do líquido, em alguns locais, são apontados como os principais
fatores para a repulsa à água recém-tratada.
Maior
e mais importante manancial da região, o rio foi tomado por uma onda de lama de
rejeitos de minério após o rompimento de duas barragens da mineradora Samarco,
em Mariana (MG), há 13 dias. Inicialmente, a Prefeitura de Governador
Valadares, que decretou estado de calamidade pública, estimou em 30 dias o
período de desabastecimento hídrico. A previsão foi revista, no entanto, após a
adoção de um tratamento com um tipo de reagente providenciado pela Samarco.
A
chegada de água às torneiras de quase 70% das casas da cidade, até a noite
desta terça-feira (17), não foi o suficiente para convencer a população de que
o líquido é potável, conforme afirma a prefeitura. "Eu não conheço
ninguém que esteja tomando essa água. Eu morro de medo. Não bebo, não dou para
a minha filha e nem para os clientes", diz Lucélia Silva Mesquita, 26,
dona de um restaurante no centro do município, o mais populoso afetado pelos
rejeitos, com cerca de 265 mil habitantes.
"A
gente ficou uma semana, mais ou menos, sem água nenhuma. O povo buscou o máximo
que pôde água de mina, de poços artesianos, de galão, em caixas d'água. Foi
muita correria. No primeiro momento falaram que não ia ter mais água nem tão
cedo e depois dizem que dá para tratar. É complicado confiar em uma água dessa
para beber", comenta Monique Silva, que é proprietária de um armazém no
bairro Cidade Jardim e viu seu estoque de galões d'água acabar.
O
resultado da apreensão é visto em diversas esquinas da cidade. Caminhões-pipa
trafegam carregados de água pelas ruas enquanto moradores de todas as idades
carregam garrafas e galões. No fim da tarde desta terça, Fagner Alves, 34, que
está desempregado, voltava de bicicleta para casa, no bairro Cidade Jardim,
carregando quase 20 litros de água. Em um saco, levou seis garrafas de 2
litros cada uma. No guidão, pendurou um garrafão de cinco litros.
Conseguiu a água no poço artesanal de uma fazenda nas redondezas da sua casa.
Lucélia
conta que até os banhos em casa estão sendo tomados com água mineral, adquirida
ao longo da semana passada. Os gastos aumentaram e o lucro diminuiu
acentuadamente, segundo ela. E se a situação se prolongar indefinidamente?
"É melhor gastar com água mineral ou ficar doente?", rebate. "O
que mais incomoda é o cheiro de cloro muito forte. Eu acho que nem eles usam
essa água para consumo", diz, referindo-se aos integrantes do SAAE
(Serviço Autônomo de Água e Esgoto), autarquia municipal que realiza a captação
e o tratamento da água.
Para
tentar tranquilizar a população valadarense, a prefeita Elisa Maria Costa (PT)
foi a um programa de TV nesta segunda (16) e bebeu um copo d'água ao vivo. O
diretor-ajunto do SAAE, Vilmar Rios, afirma que o órgão fez testes com o
polímero de acácia negra -- "mais caro e, por isso, inacessível para a
Prefeitura de Governador Valadares anteriormente" -- e que os
resultados se mostraram eficazes.
"Nós
não seríamos irresponsáveis de fornecer água que oferece qualquer risco à
população", declara. O cloro notado pela população, segundo Rios, está
dentro dos padrões normais.
"Tivemos
que clorar um pouco mais a água para fazer uma assepsia nas redes, que ficaram
sete dias paradas e isso cria uma oxidação natural. Isso é normal."
Ele
contou ainda ter bebido a água da "primeira leva" do tratamento
"sem problema nenhum". "Posso até pegar verme. Eu bebi e não
senti absolutamente nada", afirmou o diretor-adjunto.
"Se
você quiser, eu vou com você tomar água na estação de tratamento agora",
disse ao repórter, instantes antes de entrar no carro rumo a uma reunião. Fonte:
Portal UOL.