Por EMIR SADER - um dos principais sociólogos e
cientistas políticos brasileiros
A direita brasileira, como expressão das elites,
sempre considerou que era possuidora da visão correta sobre o acontecia no
pais. Que era derrotada eleitoralmente pela manipulação que lideranças
populistas fazem da consciência de amplas camadas do povo, sem instrução,
comprado por benesses de políticas assistencialistas.
Foi assim contra o Getulio que, segundo ela,
governava sem métodos democráticos. Quando a democracia liberal foi restaurada
em 1945, para sua decepção, o candidato lançado por Getulio triunfou sobre o
candidato das elites. O próprio Getulio voltou a vencer em 1950.
Dai nasceram as teses do voto qualitativo. O voto
de um engenheiro ou de um medico não podia valer o que valia o voto de um
operário – chamado depreciativamente de “marmiteiro”, por levar a comida para o
trabalho em marmitas. Havia distintas propostas, até aquela que dava aos
profissionais com formação superior o valor 10, contra o valor 1 aos menos
instruídos.
Mas desde que foi formada a Escola Superior de
Guerra, por Golbery do Couto e Silva e Humberto Castelo Branco, retornados da
campanha da Itália na segunda guerra mundial sob a influencia norte-americana, que
identificada os EUA como o berço da democracia, as estratégias golpistas
começaram a ser formuladas explicitamente.
A ESG difundia e formava militares, no
Brasil e na Escola das Américas, no Panamá, na Doutrina de Segurança
Nacional. A doutrina, expressão clara do período da guerra fria, considerar que
as sociedades e o próprio Estado era objeto de trabalho subversivo inoculado de
fora para dentro, desde a URSS, a China e, depois, também de Cuba.
Era necessário depura-los desses riscos, tomando
o Estado e transformando-o num quartel general da luta para depurar o pais
desses riscos. O corpo social deveria funcionar como o corpo humano, em que
cada parte atua em função do todo. Qualquer distúrbio perturba esse bom
funcionamento e deveria ser extirpado. Em termos políticos, era o que se
considerava os subversivos, vias de introdução das contradições sociais, que
sabotava o bom funcionamento da sociedade e do Estado.
O governo do Getulio entre 1950 até sua morte em
1954 foi acompanhado por intenso trabalho de conspiração militar, que
desembocou na conjuntura que o levou ao suicídio e, com isso postergou por 10
anos o golpe militar. Mas durante o governo de JK o trabalho continuou, com
duas esporádicas tentativas golpistas por parte de militares sublevados.
A eleição de Jânio Quadros parecia finalmente
impor a vontade da maioria influenciada pela direita que, tal qual hoje,
considerava que o problema fundamental do pais era a corrupção, de que a
construção de Brasília seria o exemplo mais escandaloso. Janio, com sua
vassoura, iria varrer a corrupção e regenerar a democracia no pais.
O fracasso rápido do Jânio acionou imediatamente
os mecanismos golpistas, que só foram evitados pela reação popular e pela
ameaça de potencia-la com a força militar que o Brizola, governador’ do Rio
Grande do Sul, ameaça acionar.
Mas a preparação do golpe foi ganhando formas
orgânicas, políticas, empresariais, religiosas e militares, até que desembocou
no golpe de 1964 que unificou praticamente à totalidade do grande empresariado,
de toda a mídia – com raras exceções -, da Igreja e de grande parte da elite
política, com o apoio explicito dos EUA. Nunca como naquele momento a direita
se expressou, de forma unificada, em um projeto próprio, que era o da mais
brutal ditadura que o pais conheceu. A pregação dos riscos que a democracia
correria eram apenas um instrumento para destruir o que havia de democracia e
impor uma ditadura militar. Os editorias dos principais jornais saudavam o
golpe como o resgato da democracia.
A ditadura não apenas destruiu tudo o que
havia de democrático no Brasil, sob o pretexto de ser instrumentos da subversão
comunista, como impôs o arrocho salarial e interveio em todos os sindicatos,
para felicidade do grandes empresários nacionais e estrangeiros. Arrocho que
foi o santo e a chave para entender o “milagre econômico”.
A transição à democracia do suportada com
incomodidade pela direita, que buscou, de todas formas, limitar seu alcance,
impedindo a eleição direta para presidente, elegendo o primeiro presidente civil
através do Colégio Eleitoral. Assim que Ulysses Guimarães promulgou a
“Constituição cidadã”, José’ Sarney colocou o tema da ingovernabilidade da
democracia, em que a excessiva quantidade de direitos reconhecidos tornava o
Estado ingovernável – uma temática que começava a introduzir a agenda
neoliberal no Brasil.
A agenda neoliberal era centralmente uma agenda
anti-democrática, projetando a centralidade do mercado e do dinheiro a expensas
da política e da democracia. Os direitos sociais foram atacados, o poder do
dinheiro penetrou fundo na sociedade e na mentalidade das pessoas, a a
sociedade foi sendo reformulada conforme o modelo do mercado, em que tudo se
compra, tudo se vende, tudo tem preço.
O fracasso dos governos neoliberais de Collor e
de FHC desembocou nos governos do PT, contra os quais a direita sempre
conspirou, jogando o poder dos monopólios privados da mídia para tentar
desestabilizar os governos. A direita brasileira nunca se conformou com as
sucessivas derrotas eleitorais, que recordavam as derrotas contra o Getulio e
seus candidatos.
As versões do voto qualitativo renasceram no ódio
contra os nordestinos e contra as camadas populares em geral, identificadas
como as responsáveis pelas derrotas sucessivas da direita nas eleições.
A tese do impeachment hoje é apenas uma versão a
mais de uma direita que não consegue conquistar apoio popular no tipo de
sistema político que ela mesma consagrou como democrático. As teses são
similares às do passado: “compra” da consciência popular mediante concessões de políticas governamentais, subversão do Estado pela corrupção e pela utilização
do governo como forma de se perpetuar no poder.
O objetivo da direita é um só: tirar o PT do
governo. Não conseguiu pela via eleitoral, teme que Lula possa dar continuidade
ao governo da Dilma e por isso ataca o governo tentando inviabilizá-lo ou
derrubá-lo e/o tentar impedir que a liderança popular do Lula leve a uma
continuidade dos governos atuais. Fonte: Brasil 247.