O
relatório final da Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-Rio) foi
entregue nessa quinta-feira (10) ao governo do estado, em cerimônia no Palácio
Guanabara, na capital fluminense. O documento de 456 páginas identifica 183
agentes da ditadura responsáveis por violações dos direitos humanos no estado
do Rio, incluindo presidentes da República, quem praticou diretamente torturas
e faz 40 recomendações elaboradas com a participação de movimentos sociais,
militantes, ex-presos e perseguidos políticos, famílias, especialistas e
acadêmicos.
O relatório expressa o trabalho da comissão
instalada em maio de 2013, para esclarecer as violações dos direitos humanos
praticados pelo Estado, entre 1946 e 1988, inclui avaliações feitas em projetos
de sete universidades contempladas por um edital lançado pela Fundação Carlos
Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), além de
pesquisas feitas por dez especialistas, sobre as empresas que apoiaram o golpe
e a ditadura e a violência praticada contra moradores de favelas, negros,
mulheres e população LGBT.
O texto é dividido em seis tópicos que vão desde
a avaliação de que o golpe de 1964 foi uma ação da elite contra os projetos de
reformas populares do governo João Goulart, da violência e terror do Estado
contra militantes políticos de oposição e integrantes de setores sociais como
trabalhadores rurais e urbanos.
A presidenta da CEV-Rio, a advogada Rosa Cardoso,
disse que a principal conclusão do trabalho está mais relacionada a
desrespeitos aos direitos humanos que ocorrem atualmente, em plena democracia,
como os casos de torturas e violência praticadas por policiais e nos sistemas
penitenciário e de segurança, que ainda persistem. Segundo ela, como essas
questões não foram resolvidas, estão surgindo no país comissões da Verdade da
Democracia, e uma delas vai ser instalada pela Assembleia Legislativa do Rio de
Janeiro (Alerj).
Sobre as recomendações feitas pela comissão, Rosa
Cardoso destacou as ações de educação e da memória. "Educação em direitos
humanos, educação para a democracia e memória, no sentido de concretizações
desse direito, criando aqui museus, memoriais, sinalizações, placas que façam a
sociedade conviver com a ideia de não se repetir o que aconteceu e o que está
acontecendo ainda", disse.
O deputado Wadih Damous, que foi presidente da
CEV-Rio, ao discursar na cerimônia, reforçou o pedido encabeçado pela comissão
e por entidades de direitos humanos e famílias de vítimas de torturas, para que
o antigo prédio do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), no centro do
Rio, seja transformado em Memorial da Resistência e em um Centro de Referência
para estudos da violação de direitos humanos.
Nesse sentido, ele pediu ao secretário de estado
da Casa Civil, Leonardo Espíndola, que conversasse com o governador Luiz
Fernando Pezão e com a Polícia Civil, que quer fazer do local a sede de um
museu policial. "Nós reconhecemos a pretensão da polícia, mas esse prédio,
infelizmente, notabilizou-se como centro de torturas e de aprisionamento de
militantes políticos. Não podemos esquecer isso. Esse prédio merece ser
destinado à memória da repressão e como um culto à democracia", afirmou.
Para Damous, as pesquisas sobre a memória desse
período de repressão devem continuar para que as novas gerações saibam o que
aconteceu e entender que a democracia é uma conquista de todos os dias.
"Entendendo o que aconteceu no passado, nós conseguimos entender muitas
das coisas que acontecem no presente. Conseguimos entender, por exemplo, que
golpes de Estado tiveram um padrão em um determinado momento, sobretudo, em
sociedades latino-americanas, e hoje assumem um novo padrão, que é o padrão que
está em curso, e que nós queremos resistir mais uma vez,
queremos ter a consciência, e não vamos permitir que aconteça",
disse.
O presidente da Comissão de Anistia do Ministério
da Justiça, Paulo Abrão, afirmou que o Brasil, no passado, escondia as suas
mazelas, graves violações e genocídios. Hoje tem a transparência como elemento
construtivo da memória nacional. "Exigir justiça não é revanche. É
simplesmente levar a sério o Brasil e as nossas instituições. É acreditar que a
lei vale para todos e ninguém está acima da lei". Abrão considerou ainda
que a democracia é muito cara e não pode haver quebra do jogo democrático.
"Não pode haver ruptura. O resultado das urnas tem que ser
respeitado", acrescentou.
Como estava em um compromisso em Brasília, o
governador Luiz Fernando Pezão foi representado na cerimônia pela primeira-dama
Maria Lúcia Horta, presidenta da Obra Social RioSolidário. Ela disse que jogar
luz sobre o passado é a melhor maneira de não repetir os erros ou omissões
cometidas. "Vamos construir o futuro sem esquecer o que aconteceu. Todos
aqui estão comprometidos em sempre olhar o passado, de modo que o preconceito,
a intolerância e a perseguição nunca mais assombrem a nossa história".
Ainda na cerimônia, integrantes do Grupo de
Filhos e Netos por Memória, Verdade e Justiça, movimento social suprapartidário
de direitos humanos, fizeram a leitura de um poema em que lembraram os
desaparecidos da ditadura e dos casos que ainda ocorrem atualmente, como o do
pedreiro Amarildo, na Favela da Rocinha, envolvendo policiais militares da
Unidade de Polícia Pacificadora da comunidade.
Depois eles apresentaram uma lista de pedidos ao
governador, entre eles a punição e identificação de agentes públicos envolvidos
em torturas e assassinatos. "A gente espera que as reivindicações se
transformem em realidade. A gente sabe que não é de uma hora para outra. É uma
luta difícil, mas estamos lutando e, talvez, ocorra bem rápido, a transformação
do prédio do ex-Dops", disse à Agência Brasil a
professora Márcia Curi Vaz Galvão. Com informações da Agência Brasil. Fonte:
Notícias ao Minuto.